Dia 25 de agosto. Faltam 60 dias para o embarque e início do trabalho de navio. Dois meses para um voo rumo a Veneza, na Itália e embarque no MSC Musica, em 25 de outubro.
Em se tratando de ansiedade, as coisas já estiveram piores antes, quando cheguei a ficar quatro dias inteiros com o coração acelerado. Assustador. “Pronto, agora não poderei embarcar, pois tenho problema de coração”, foi o que pensei. Coisa de ariano. Isso na verdade era um certo medo da possibilidade de haver algo que impedisse o meu embarque, de fato. Logo passou, quando tive os resultados da bateria de exames em mãos, confirmando que eu estava sim, livre/apto para embarcar.
Mas...o caminho não foi leve, nem fácil, porém nada de matar...(sobretudo para mim que moro na Baixada Santista [vi muitos que vinham de todo o canto do Brasil, tentar uma vaga aqui também]). Pois as principais agências ficam aqui ou ainda no Sul brasileiro.
Novembro/dezembro de 2008. Comecei efetivamente a pensar na ideia de embarcar quando minha amiga Carla Yabico me ligou e depois de uma longa conversa propôs: “O que você acha de tentarmos esse lance de navio??”. Topei (Carla tem uma prima [Marcelle Campregher] que acabara de voltar de uma temporada no Opera, do MSC, trabalhando no shopping e muito nos ajudou em opiniões, incentivo e orientações). Lógico que essa conversa já havia ocorrido antes, afinal a Carla tentava ir para ao Japão, terra onde está um de seus irmãos, ou investir na tripulação de navio. Eu topei, quando vi que era possível para mim também, que não era um bicho de sete cabeças.
Janeiro 2009. A partir daí os custos começaram. E não são/foram poucos. Tempo também é um requisito necessário: você embarca à medida que vai agilizando seus documentos/processos. Tentei inicialmente pela Infinity, uma ótima agência de recrutamento, que trabalhava na época com mais de dez empresas de navios. Passei por uma entrevista em inglês com a agência, depois participei de curso preparatório para crew (tripulantes). Paguei R$ 200 e suguei todo tipo de informações de como é o trabalho a bordo, além de algumas noções sobre bar (a função que eles me indicaram). O problema lá é que eles me empurraram para uma entrevista com uma companhia americana e rigorosa – a Royal Caribbean. Para mim, deveriam ter atentado que não tenho experiência em contratos anteriores em navio e nem trabalhei fora do país (tudo o que me foi exigido pelo entrevistador, que era muito bom, compreensivo e competente, mesmo ante meu nervosismo e despreparo). Enfim, acho que a Infinity poderia ter me aconselhado a um cargo melhor e de acordo com meu perfil e com o que eu podia oferecer, mesmo que fosse preciso esperar mais um tempo, afinal, eles estavam com 11 companhias de cruzeiros, que recrutam o ano inteiro. Mas valeu a experiência. Pude ver como é o “top” do mundo em que quero me enquadrar. Sempre aprendizado, certo?
Fevereiro de 2009. Após o desgaste do processo na Infinity (sobretudo por quatro dias inteiros perdidos no trabalho), fui correr para fazer o STCW (Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers [algo do tipo convenção sobre padronização e certificação, e treinamentos mínimos requeridos aos marítimos]). Foram cinco dias (segunda a sexta-feira), com uma maré de conhecimentos para todos nós: vida a bordo, informações sobre o navio, posturas de segurança, combate a incêndio, técnicas de salvamento, primeiros-socorros e muito mais. Tivemos nesses dias contatos com diversos tipos de pessoas: desde experientes em contratos anteriores, a marinheiros de primeira viagem, pessoas de outras cidades e também de outros estados. O custo disso tudo: R$ 690 (até pouco tempo era metade disso e menos dias de treinamento). Mas valeu a pena, em conhecimento, amizades e ainda mais para se ter certeza de que quer (no meu caso) ou não quer essa vida de extrema ralação a bordo.
Março/abril de 2009. Depois do curso feito, me senti encorajado a tentar em outra agência, ainda em Santos, a Fatto Brazil, onde, desde o início, senti uma proximidade muito grande. Um atendimento mais direto, onde eles conhecem cada agenciado. Eles atuam unicamente com a MSC Crociere (Mediterranean Shipping Company), o que torna mais ágil o processo seletivo e faz com que a própria agência elimine alguns processos burocráticos, afinal tem a visão e a prática dos padrões da MSC Cruzeiros. Passei por uma nova entrevista de teste de nível de idioma, para saber em que cargo poderia atuar. Recebi três indicações, assim como quando você opta no vestibular, por exemplo. Então, minha primeira opção, indicada por eles, seria para “bell boy”, depois algo como “buffet boy” ou ainda, em terceira opção, “pool boy” (serviços no setor de piscina). Acredito que por eu não ter experiência específica em bares, restaurantes, acabei sendo indicado para outras onde não sejam requeridos atributos específicos, mas sim idiomas (tenho um inglês com o qual venho sobrevivido até então), comunicabilidade e disposição para trabalhar (qualquer cargo exige este último quesito). Lá é assim: você é analisado e passa a fazer parte de um perfil, passando ainda a aguardar assim que surgir uma vaga, durante o ano todo. Sei que parece demorado, parece que a data nunca chega, mas faz parte. Você espera. Além do mais, neste tempo, você vai adiantando os documentos necessários.
Da confirmação da posição que eu assumiria a bordo à confirmação da data de embarque, foram muito tempo e dinheiro. Dinheiro para muitas e diversas xerox (grande parte coloridas); idas e voltas à agência (muitas também); passaporte (eu já possuía); vacinas contra febre amarela e tétano (com emissão de certificado da Anvisa); fotos; curso STCW; sem falar na bateria de exames a serem feitas, que pode ser realizada pelo SUS, no postinho perto de casa (isso se você tiver um bom prazo para entregá-los [que não foi o meu caso, ou seja: desembolsei quase R$ 400 para urgência nos resultados, pois demorei demais para solicitá-los]), bateria esta que deve ser traduzida em uma ficha específica para a companhia. Enfim, posso dizer que em tudo, tudo, gastei uns R$ 2 mil. Mas eu estava consciente de que assim seria.
Maio de 2009. Depois de tudo isso, eles me deram uma data de embarque (para 25 outubro, em Veneza). Mas somos alertados desde o início que mesmo com uma data, podemos ser chamados para outro embarque antecipado, de acordo com a necessidade da companhia. Recebi três ligações, sempre à noite e inesperadas e ainda com necessidade de resposta urgente, todas com proposta para embarque na Itália (entre julho, agosto e setembro). É uma loucura, pois imagina alguém te ligar e dizer: “Oi temos uma vaga para bell boy, para embarque em Gênova, Itália, daqui a três semanas. Você quer?”. Mas recusei todas, afinal já estava com o meu dia certo e, como estava trabalhando, não tinha como sair do nada do emprego e cair em alto-mar. Se eu recuso, eles seguem para outro candidato, que pode aceitar melhor que eu (muitos estão desempregados e desesperados para embarcar).
Agosto de 2009. Cá estou eu, com confirmação e esperando apenas o embarque. A ansiedade baixou, quase não há. Em substituição, apenas o sentimento de muita coisa a ser feita. Muita mesmo. Detalhes como mala, mochila, o que levar e não levar e/ou preparar: um mundo de necessidades/dúvidas. Ganhei da amiga Clélia Riquino, um verdadeiro kit de sobrevivência no navio. Tudo em italiano: um guia rápido de frases voltadas a turismo, um dicionário e um livro de conjugação de verbos! Um presente muito bom, vindo de uma expert em gramática e letras, com quem adquiri o hábito de trocar dezenas de emails toda a semana. Um prazer. Uma mentora. O italiano será um elo importante, além do inglês, uma vez que Itália é a bandeira/origem do navio e a nacionalidade de muitos chefes de setores.
Após certeza total, pedi demissão no meu emprego, o jornal Gazeta do Litoral, aqui de Praia Grande mesmo, onde sou repórter há dois anos, desde que me formei (antes, havia passado por estágio na Assessoria de Imprensa da Prefeitura daqui também ). Recebi todo o apoio do chefe, que deu conselhos e, visionário como é, sabe da importância de investir em novas experiências, enquanto essas estão ali, disponíveis para você. Aqui no jornal, fico até a segunda-feira, dia 31 de agosto. O clima é de despedida já.Ainda em setembro, quero fazer uma viagem rápida ao nordeste, visitar parentes que desde cinco anos de idade não vejo, família da parte do meu pai e que ele gostaria que me conhecessem. Enfim, uma correria em dois meses!
Uffa...
O texto foi longo, mas o deixo registrado aqui, à cerca de minha experiência, desde que resolvi dar uma pausa na vida de jornalista recém-formado, para aventurar-me em novos conhecimentos, novas vivências. Informações específicas, dados e tudo o que é preciso saber para embarcar, pode ser pesquisado em todos os blogs linkados aqui ao lado, na seção “De outros mares”. Um deles, que todos nós blogueiros e futuros tripulantes recorremos um dia, é o
Vida de Tripulantes.
:-]